Manifestações Clínicas na Doença de Crohn

Introdução

Doença de Crohn

História natural
A atividade da doença de Crohn exerce uma influência importante na história natural e pode ter um efeito deletério sobre as perspectivas de emprego e a vida social e familiar dos pacientes. A doença pode evoluir com crises intermitentes, alternadas com fases de remissão de duração variável, ou como uma forma crônica progressiva e contínua. A apresentação clínica é largamente dependente da localização e da extensão das lesões e da presença de eventuais complicações.

Em uma fase inicial, a extensão das lesões pode ser tão pequena que o paciente pode não apresentar sintomas, porém quando as lesões comprometem uma extensão maior no intestino delgado ou cólon, as manifestações clínicas podem ser intensas. A apresentação típica inclui o envolvimento de vários segmentos do trato gastrointestinal, e a evolução clínica da doença de Crohn é, com frequência, complicada pela formação de fístulas, doença perianal e estenoses (estreitamento intestinal). Essas complicações também exercem, invariavelmente, impacto sobre a qualidade de vida dos pacientes.

A doença está localizada no íleo terminal em 47% dos casos, no cólon em 28%, na região ileocolônica em 21%, e no trato gastrointestinal superior em 3% dos casos.

Pode ser classificada em inflamatória (70% dos pacientes), estenosante (17% dos pacientes) e penetrante/fistulizante – fístulas, abscessos ou ambos – em 13% dos casos com diagnósticos.

O componente genético é mais forte na doença de Crohn do que na retocolite ulcerativa. O tabagismo aumenta o risco da doença de Crohn. Doenças reumatológicas, dermatológicas, oftalmológicas, hepatobiliares e outras manifestações extraintestinais podem estar presentes. As manifestações extraintestinais são mais comuns quando a doença compromete o cólon e podem ou não guardar relação com a atividade da doença. A doença, quando de longa duração (> 8 a 10 anos), associa-se a um risco aumentado de carcinoma de cólon. Pelo menos 50% dos pacientes podem necessitar de tratamento cirúrgico nos primeiros dez anos de doença e aproximadamente 70 a 80% podem necessitar de cirurgia durante seu tempo de vida.

A história clínica é de extrema importância e deve incluir a data do início dos sintomas, a evolução dos sintomas, a existência de um fator epidemiológico para patologia infecciosa, ocupação, antecedentes familiares, vícios, história alimentar, inclusive as intolerâncias, história medicamentosa (antibióticos, anti-inflamatórios não esteroides – AINE) e doenças associadas. Dados clínicos obtidos por meio da historía e do exame físico também permitem classificar a doença de Crohn e servem para orientar a investigação (exames laboratoriais, radiológicos, endoscópicos e histopatológicos) e o tratamento. Pode-se dividir clinicamente a DC em:

  • Doença de Crohn leve a moderada: pacientes ambulatoriais, capazes de tolerar alimentação via oral, sem manifestações de desidratação, toxicidade, desconforto abdominal, massa dolorosa, obstrução ou perda maior que 10% do peso;
  • Doença de Crohn moderada a grave: pacientes que falharam em responder ao tratamento ou aqueles com sintomas mais proeminentes de febre, perda de peso, dor abdominal, náuseas ou vômitos intermitentes (sem achados de obstrução intestinal) ou anemia significativa;
  • Doença de Crohn grave a fulminante: pacientes com sintomas persistentes a despeito da introdução de corticosteroides e/ou terapia biológica ou indivíduos que se apresentam com febre, vômitos persistentes, evidências de obstrução intestinal, sinais de irritação peritoneal, caquexia ou evidências de abscesso.

Quadro clínico
A doença de Crohn pode manifestar-se por sintomas gastrointestinais, sintomas extraintestinais ou a combinação dos dois.

Os sintomas de doença de Crohn são variados, mas tipicamente incluem: dor abdominal (presentes em 70 a 85% dos pacientes), diarreia (presentes em 70 a 75% dos pacientes) e perda de peso (presentes em 60% dos pacientes). Sintomas de mal-estar, anorexia ou febre são comuns. A doença pode evoluir para obstrução intestinal por estenoses, fístulas (muitas vezes perianais) ou abscessos.

Em geral, os pacientes com doença de Crohn podem apresentar várias formas clínicas da doença, de acordo com a localização das lesões: doença exclusiva no intestino delgado, doença na região ileocolônica, doença colônica, doença na região anorretal e, mais raramente, o comprometimento do esôfago, estômago ou duodeno.

Aproximadamente um terço dos casos apresenta doença restrita à região do íleo terminal e em mais da metade há comprometimento do íleo terminal e do cólon proximal. O acometimento isolado do intestino grosso é menos frequente que o do íleo terminal.

Os principais sintomas clínicos, de acordo com a localização das lesões e atividade predominante, são descritos a seguir.

Doença de Crohn na região ileocolônica
É a forma anatômica mais frequente da doença, e os pacientes costumam apresentar dor abdominal, localizada habitualmente no quadrante inferior direito do abdome com ou sem diarreia e perda de peso. A diarreia, quando presente, apresenta-se, em geral, sem sangramento, variando entre 5 e 6 evacuações por dia. Nos pacientes que apresentam inflamação ou abscesso na região ileocólica, a dor tende a ser constante; esses pacientes frequentemente apresentam febre, perda de peso e desnutrição. A doença pode evoluir para suboclusão intestinal em razão da inflamação ou estenose da região, ocasionando persistência e piora da dor, que se apresenta mais generalizada, intermitente, em cólicas associadas com borborigmos, distensão abdominal, vômitos e eventualmente constipação.

O envolvimento do ureter direito no processo inflamatório pode-se manifestar por queixas urinárias.

Quando existe comprometimento importante do íleo terminal, pode ocorrer má absorção de sais biliares e da vitamina B12, que leva a diarreia colerética e anemia, respectivamente. As estenoses podem ocasionar estase do intestino delgado, com consequente supercrescimento bacteriano e desenvolvimento de esteatorreia. Podem ocorrer fístulas enterocutâneas (intestino delgado com a pele), que são clinicamente fáceis de diagnosticar, assim como fístulas enterovesical(intestino delgado com a bexiga) e enterovaginal. O abdome agudo com peritonite decorrente da perfuração intestinal é incomum.

Doença de Crohn no intestino delgado
Em geral, os pacientes apresentam sintomas como: dor epigástrica, tipo cólica, de caráter intermitente, borborigmos aumentados e crises frequentes de diarreia, porém de pequena intensidade. Pacientes com doença extensa podem apresentar má absorção, esteatorreia, anemia, perda de peso e desnutrição. A diarreia é uma característica da doença ativa. Febre baixa reflete o processo inflamatório, enquanto a febre alta persistente pode significar complicações supurativas. As estenoses podem apresentar quadros de suboclusão intestinal caracterizadas por dor periumbilical, em cólicas, de moderada a forte intensidade, geralmente relacionada com a ingestão de alimentos. Fístulas enterocutâneas ou enterovesicais podem ser formas de apresentação da doença com envolvimento do intestino delgado.

Doença de Crohn colônica
Os pacientes apresentam surtos agudos de diarreia, dor abdominal em cólica, geralmente na região hipogástrica do abdome, precedendo as evacuações, episódios de febre e sangue nas fezes. Os sintomas podem simular retocolite ulcerativa em atividade, embora na doença de Crohn o sangramento retal seja menos comum.

Doença de Crohn anorretal
As manifestações anais e perianais da doença de Crohn são muito comuns, e o comprometimento dessa região pode se manifestar bastante acentuado e debilitante. O quadro clínico caracteriza-se por queixas de dor anorretal, ardor, dor às evacuações, secreção purulenta perianal que suja a roupa e, no caso de fístula retovaginal, há exacerbação dos sintomas.

O comprometimento perianal na doença de Crohn apresenta-se, frequentemente, com abscessos e fístulas, que costumam ser múltiplas, complexas e recorrentes. Pode-se apresentar, também, com fissuras, úlcera anal, incontinência fecal e estenose anal, raramente associadas a câncer.

Doença de Crohn em esôfago, estômago e duodeno
É extremamente rara e geralmente provoca manifestações clínicas relacionadas com essas localizações. Os sintomas mais comuns são de dor abdominal na região epigástrica, dispepsia, frequentemente associada com anorexia, náuseas, vômitos e perda de peso. O comprometimento isolado da doença de Crohn no esôfago pode manifestar-se com disfagia por conta de estenose, odinofagia, pirose ou dor torácica. Em casos mais avançados, podem surgir fístulas esofagobrônquica ou esofagogástrica.

Os pacientes com comprometimento gástrico podem apresentar-se sem sintomas ou com sintomas leves, simulando gastrite e alterações endoscópicas discretas como úlceras aftoides. A doença avançada manifesta-se com vômitos e perda de peso, podendo evoluir com fístulas para o cólon com queixas de diarreia, vômitos fecaloides e emagrecimento.

Quando o comprometimento é duodenal, o achado mais frequente é também o aparecimento de úlceras aftoides e o espessamento das pregas na mucosa.

Exame físico
O exame físico geral dos pacientes com doença de Crohn varia desde a normalidade até múltiplas alterações. Os sinais clínicos encontrados são mais reveladores na doença de Crohn do que na retocolite ulcerativa, refletindo o comprometimento localizado e transmural do processo inflamatório.

Os pacientes podem apresentar-se com anemia, desnutrição, emagrecimento e febre. Quando a doença incide na infância, pode existir retardo de crescimento e desenvolvimento. O exame da cavidade oral pode apresentar lesões aftoides, gengivites e glossites. O exame do abdome pode apresentar dor à palpação profunda, principalmente no quadrante inferior direito do abdome, massas palpáveis, plastrão ou trajetos fistulosos. Fístulas enterocutâneas são mais frequentes em jovens ou após procedimentos cirúrgicos com envolvimento intestinal.

O processo inflamatório pode-se estender às estruturas adjacentes ao intestino e pode ser possível palpar uma massa inflamatória geralmente constituída por intestino inflamado aderente, mesentério espessado e nódulos linfáticos abdominais aumentados.

Pode-se encontrar distensão abdominal com ou sem tumoração em quadrante inferior direito.

O comprometimento perianal na doença de Crohn apresenta-se, muitas vezes, com abscessos crônicos que podem ser únicos, múltiplos, simples ou complicados, celulite perianal e fístulas, que são geralmente múltiplas, complexas e recorrentes. Pode-se apresentar, também, com plicomas inflamatórios, que são frequentes e geralmente não causam sintomas importantes, fissuras que costumam ser profundas e indolores, úlcera anal, incontinência fecal e estenose anal, que é uma complicação comum da doença anal crônica. Em geral, raramente essas patologias estão associadas ao câncer.

O diagnóstico da fístula perianal na doença de Crohn é bastante óbvio quando aparece durante a evolução da doença intestinal. Entretanto, em pacientes sem história de doença de Crohn, as lesões devem ser suspeitadas quando apresentarem múltiplas e complexas fístulas e abscessos, fístulas retovaginais não traumáticas, fissura de difícil tratamento e ferimentos na região perineal.

O toque retal pode mostrar paredes do canal anal espessadas, estenose variável do canal anal e, com frequência, quando a doença é extensa localmente, até a percepção da irregularidade da superfície do canal anal e do reto distal. Fístula retovaginal pode ocorrer entre 3 e 10% dos casos na paciente com doença de crohn, mais frequentemente na metade do septo retovaginal. As manifestações extraintestinais com acometimento das articulações, pele e olhos ocorrem em cerca de 30% dos casos, tanto na doença de crohn como na retocolite ulcerativa.

Texto resumido e adaptado para pacientes e familiares
Livro Doença Inflamatória Intestinal - 2015
Autores: Wilton Schmidt Cardozo / Carlos Walter Sobrado

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